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CASO MARI FERRER

Por Isabella Scala


Em dezembro de 2018, Mariana Ferrer entrou pelas portas do Café de La Musique, um beach club luxuoso de Jurerê Internacional, acreditando que estava segura. Em vez disso, descobriu como os interesses do lugar que ela era embaixadora preferiu proteger seu agressor.


A Music Sunset, festa promovida pelo beach club, em 15 de dezembro de 2018, prometia iniciar a temporada de verão em Florianópolis. Na madrugada do dia 16, a mãe da blogueira a encontrou desnorteada e repetindo as palavras “olhos claros e esbugalhados” repetidamente.


O fim de semana que começou como ansiedade pelo evento, terminou no banco de uma delegacia prestando depoimento sobre a violência sexual sofrida.


Mari chegou acompanhada ao evento por amigas. Essas mesmas amigas ignoraram seus chamados de socorro depois da agressão. “Amiga, pelo amor de deus, me atende, eu indo sozinha, não aguento mais esse cara do meu lado, pelo amor de deus”, “amiga, eu não bem, eu sozinha aqui, eu sem ninguém pra vir aqui, não sei pra onde eu vou, sabe”, “eu muito chateada com você, eu aqui sozinha sem ninguém, eu nem sei o que fazendo e você me largou aqui, eu só tinha você como amiga e você me largou aqui”. Essas foram algumas das mensagens de voz que a blogueira enviou durante a noite.


Mariana havia sido dopada.


Ela estava decidida a fazer o seu agressor pagar, mas haviam pessoas no seu caminho determinadas a não deixar isso acontecer. Por ter sido dopada, Mariana não tinha uma imagem clara em sua cabeça de quem a estuprou. Mariana passou pelos exames de perícia, além de ter tomado o coquetel que evitaria a contaminação caso seu agressor tivesse alguma infecção sexualmente transmitida.


Durante cinco meses, o caso foi investigado por dois delegados, até ficar com a delegada Caroline Monavique Pedreira, da Dpcami (Departamento de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso). Durante a investigação, nomes de famosos e pessoas com alto poder aquisitivo surgiram nas conversas e nos depoimentos das amigas que acompanharam Mari naquele dia. Porém, a investigação empacou.


Frustrada com a maneira que seu caso estava sendo levado, Mariana expôs seu caso nas redes sociais. O caso ganhou notoriedade e a polícia marcou uma coletiva de imprensa no dia seguinte para prestar explicações.


Na mesma semana, um vídeo do dia do estupro vazou na internet. Às 22h25, o vídeo mostra Mariana subindo as escadas do camarim do evento acompanhada de um homem. Às 22h31, Mariana desce as escadas. Dez segundos depois, o seu agressor a segue. Essas foram as únicas imagens disponibilizadas para a polícia. Nenhuma imagem das outras 37 câmeras do beach club estão presentes nos autos do inquérito.


Logo depois disso, Mariana saiu do Café e foi para o 300 Cosmo Beach Club, onde ficou por 20 minutos até ir embora de Uber. As mensagens foram trocadas com as amigas nesse meio tempo.


A duração da corrida do Uber foi de 28 minutos, e nesse tempo inteiro a blogueira ficou em contato com a mãe, chorando copiosamente. O fato foi confirmado pelo motorista do Uber, que afirmou que Mariana pareceria estar “sob o efeito de algum entorpecente”.


A mãe de Mariana afirma que se deu conta do crime ao levar a filha para tomar banho e se deparar com o cheiro forte de esperma e manchas de sangue na roupa da filha. Durante a noite, a garota acordou pedindo socorro e falando dos “olhos claros e esbugalhados”.


Os laudos periciais confirmaram o rompimento do hímen, pois Mariana era virgem, e a conjunção carnal. Porém, não foram encontrados nenhum traço de álcool ou drogas em seu sistema.


Nomes de vários homens surgiram como o possível agressor. Um que se destacou foi empresário esportivo, André de Camargo Aranha, de 42 anos. Duas testemunhas o reconheceram das imagens da câmera de segurança. Preocupado com os rumores de estar envolvido no caso, Aranha foi de São Paulo até Florianópolis prestar esclarecimentos para a polícia.

Ao ser interrogado, André assumiu ter subido as escadas com Mariana, igual o vídeo mostra. Aranha confirmou os rumores que a escada levava a um camarim restrito. A polícia foi até o local, que contém dois banheiros, sofás, acesso ao depósito de bebidas e uma porta para fora do beach club.


O investigado disse que ele e Mariana estavam indo usar o banheiro do camarim. “Subi com essa menina, tinha visto ela (fazia) dois, cinco minutos, no camarim. Tava cheio o lugar, a gente ia no banheiro, ajudei ela a subir, é aberto, você consegue ver o lado de fora, tem um banheiro a direita e outro mais longe, ela entrou à direita, eu fui no do fundo. A hora que eu saí do banheiro ela não estava mais”, afirmou ele.


Aranha concordou em ceder material genético para o teste genético com o material recolhido das roupas da vítima. Mas mudou de ideia depois de conversar com os seus advogados. A delegada conseguiu um mandato para recolher materiais de higiene da mala do investigado, mas não houve tempo hábil para cumprir o mandato no Aeroporto Hercílio Luz.


Vale mencionar que a delegada Caroline documentou a cor dos olhos do investigado. Ao ser questionado, ele respondeu que o tom varia entre azul e verde durante o dia. “É camaleão”.


Por mais que André não tenha coletado nenhum material genético para análise, numa jogada genial, a delegada usou as digitais dele e a saliva do copo em que ele bebeu água na delegacia. O laudo confirmou que o valor da coeficiência de verossimilhança foi de dois septilhões entre a amostra questionada e a amostra e confronto. Isso indica que as amostras ambas as amostras tratam da mesma pessoa.


O juiz Rudson Marcos, da 3º vara criminal, aceitou a prova e decretou a prisão temporária de 30 dias. “Frente à negativa do investigado e os indícios até então colhidos pela autoridade policial, entendo que, neste momento, a prisão temporária do investigado é a medida necessária, inclusive, para que sejam esclarecidos os fatos e, também, para salvaguardar o encerramento do inquérito policial, em face das divergências apontadas pelo investigado em seu depoimento”, descreveu o juiz.


Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado do agressor, alegou que seu cliente estaria sofrendo constrangimento ilegal pelo juiz por ter decretado a prisão temporária, que para ele foi “carente de justa causa”, uma vez que o cliente é “réu primário, de bons antecedentes, com residência fixa, profissão lícita e por ter entregue espontaneamente o passaporte”.


No relatório final, a delegada demonstra convicção de indicar André de Camargo Aranha pelo crime de estupro de vulnerável. Segundo o artigo 2017-A do Código Penal, caracteriza estupro de vulnerável “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.


Em um depoimento final, a delegada afirmou que “Uma das testemunhas disse que o próprio investigado teria afirmado, em relação à vítima, que ‘ela era louca e tava muito bêbada’. Extrai-se que ele, André de Camargo Aranha, ainda que possivelmente no intuito de descredibilizar a vítima, indicou para a (testemunha) elementos que sinalizam o estado de vulnerabilidade da vítima”.


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