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CASO MARIA DA PENHA

Por Camille Santos


Maria da Penha conheceu Marco Antonio Heredia Viveros, colombiano, quando estava cursando o mestrado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo em 1974. Na época, ele fazia os seus estudos de pós-graduação em Economia na mesma instituição.


Naquele ano, eles começaram a namorar, e Marco Antonio demonstrava ser muito amável, educado e solidário com todos à sua volta. O casamento aconteceu em 1976. Após o nascimento da primeira filha e da finalização do mestrado de Maria da Penha, eles se mudaram para Fortaleza, onde nasceram as outras duas filhas do casal. Foi a partir desse momento que essa história mudou.


As agressões começaram a acontecer quando ele conseguiu a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente. Agia sempre com intolerância, exaltava-se com facilidade e tinha comportamentos explosivos não só com a esposa, mas também com as próprias filhas.


O medo constante, a tensão diária e as atitudes violentas tornaram-se cada vez mais frequentes.


No ano de 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros.


“Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os olhos. Não vi ninguém. Tentei me mexer. Não consegui. Imediatamente fechei os olhos e um só pensamento me ocorreu: ‘Meu Deus, o Marco me matou com um tiro’. Um gosto estranho de metal se fez sentir forte na minha boca, enquanto um borbulhamento nas costas me deixou perplexa.”


Como resultado dessa agressão, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis nas vértebras torácicas, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula à esquerda – além de outras complicações físicas e traumas psicológicos.


Por mais que estivesse acostumada com os gritos, as explosões de fúria e os empurrões do marido, Penha custava a acreditar que tinha sido alvejada por um tiro de espingarda disparado pelo homem que escolheu para ser pai de suas filhas.


No entanto, Marco Antonio declarou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto.


“Quando os vizinhos chegaram ao meu quarto, demoraram a perceber o ferimento, pois eu estava de costas, com o sangue escorrendo no colchão.” Para acobertar sua intenção diabólica de assassinar a própria mulher em pleno sono, Marco se fantasiou de vítima de um suposto assalto: rasgou o pijama, colocou uma corda no pescoço e disse para a polícia que havia sido atacado por quatro bandidos. O teatro não funcionou. Mas a verdade demorou quase 20 anos a aparecer e levar o economista e professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros para onde devia estar há tanto tempo: atrás das grades.


Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ainda teve que fazer força para escapar de outra atrocidade do marido: ele tentou eletrocutá-la embaixo do chuveiro.


Juntando as peças de um quebra-cabeça perverso montado pelo agressor, Maria da Penha compreendeu os diversos movimentos feitos pelo ex-marido: ele insistiu para que a investigação sobre o suposto assalto não fosse levada adiante, fez com que ela assinasse uma procuração que o autorizava a agir em seu nome, tinha várias cópias de documentos autenticados de Maria da Penha e ainda foi descoberta a existência de uma amante.


Cientes da grave situação, a família e os amigos de Maria da Penha conseguiram dar apoio jurídico a ela e providenciaram a sua saída de casa sem que isso pudesse configurar abandono de lar; assim, não haveria o risco de perder a guarda de suas filhas.


A próxima violência que Maria da Penha sofreu, após o crime cometido contra ela, foi por parte do Poder Judiciário. O primeiro julgamento de Marco Antonio aconteceu somente em 1991, ou seja, oito anos após o crime. O agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas, devido a recursos solicitados pela defesa, saiu do fórum em liberdade.


Mesmo fragilizada, Maria da Penha continuou a lutar por justiça, e foi nesse momento em que escreveu o livro “Sobrevivi... posso contar” (publicado em 1994 e reeditado em 2010) com o relato de sua história e os andamentos do processo contra Marco Antonio.


O segundo julgamento só foi realizado em 1996, no qual o seu ex-marido foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. Contudo, sob a alegação de irregularidades processuais por parte dos advogados de defesa, mais uma vez a sentença não foi cumprida.


A história de Maria da Penha significava mais do que um caso isolado: era um exemplo do que acontecia no Brasil sistematicamente sem que os agressores fossem punidos.


Conforme se verificou, era preciso tratar o caso de Maria da Penha como uma violência contra a mulher em razão do seu gênero, ou seja, o fato de ser mulher reforça não só o padrão recorrente desse tipo de violência mas também acentua a impunidade dos agressores.


Diante da falta de medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos a essas vítimas, em 2002 foi formado um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.


Após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas.


Assim, em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei n. 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha.


Considerando que uma das recomendações da CIDH foi reparar Maria da Penha tanto material quanto simbolicamente, o Estado do Ceará pagou a ela uma indenização e o Governo Federal batizou a lei com o seu nome como reconhecimento de sua luta contra as violações dos direitos humanos das mulheres.


Além do seu reconhecimento nacional e internacional, Maria da Penha conta a sua história de vida e alerta sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de palestras, seminários e entrevistas para jornais, revistas e programas de rádio e televisão etc. Ela atua ativamente para divulgar a Lei n. 11.340/2006 e contribuir para a conscientização dos operadores do Direito, da classe política e da sociedade de uma maneira geral sobre a importância da aplicação correta da lei, ao mesmo tempo em que esclarece também a questão da acessibilidade para pessoas com deficiência.


Desde a sua criação, muitos projetos de lei tentaram enfraquecer a Lei Maria da Penha, mas, devido à ação conjunta de Maria da Penha com movimentos feministas e instituições governamentais, a lei nunca sofreu retrocessos.


Desconstruir a cultura machista, promover ações educativas de conscientização e fortalecer a rede de apoio às vítimas é o único caminho possível para que as mulheres realizem todas as suas potencialidades e garantam a participação na vida social, a inserção no mercado de trabalho, o respeito, a dignidade e a justiça.

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